No Maranhão e em todo o Brasil, o Movimento Negro não celebra o 13 de maio. Ao contrário do que a história oficial insiste em repetir, essa data marca um falso símbolo de liberdade. Como nos lembra nosso saudoso companheiro de luta Tadeu de Obatalá, artista e militante que nos deixou além de muita saudade, um legado, “13 de maio a nação nagô, não faz festa não, em protesto ao dia que diz que o libertou e o marginalizou, jogou na outra escravidão.” Não houve liberdade, houve abandono.
137 anos depois da abolição inconclusa, o racismo estrutural segue ditando quem tem acesso à terra, à escola, à saúde, à justiça, à dignidade. O povo quilombola do Maranhão, maior contingente do Brasil, ainda é violentado cotidianamente. Não por grilhões de ferro, mas por ações (e omissões) do Estado e pelo avanço de interesses econômicos que negam a existência dos nossos territórios e de nossos direitos.
Na comunidade quilombola Peixes, em Colinas/MA, o anúncio da implementação do sistema de educação escolar quilombola foi recebido pela prefeitura com perseguição política. A professora da comunidade foi demitida, substituída por alguém alheio à realidade quilombola e contrário ao movimento. Mães foram notificadas por protestarem. Guardas municipais tentaram intimidar moradores. Tudo isso sob a complacência – e orquestração – de figuras como o secretário de finanças, fazendeiro com histórico de confronto com a comunidade.
O transporte escolar dos estudantes quilombolas foi cortado. A exclusão, agora, se esconde atrás de portarias, licitações e perseguições administrativas. A professora afastada está em tratamento psicológico. Essa é a liberdade prometida?
No quilombo Tanque de Valença, a expansão da ferrovia até a Ilha do Cajual avança sobre a vida, a história e os direitos das famílias. Em Cedro, a ameaça de despejo segue pendente de decisão judicial. O próprio Tribunal de Justiça já admitiu que esgotou a via de mediação. Agora, é a resistência dos quilombolas e a articulação política que tenta impedir que mais uma comunidade seja removida à força. Diante da injustiça, surgem ações jurídicas e um clamor coletivo: tombar os espaços sagrados, garantir o usucapião, denunciar os crimes cometidos por grileiros, exigir a titulação dos territórios e suspender a ordem de despejo.
Em Colinas/MA, moradores do Território Quilombola Jaguarana/Floresta enfrentam constantes conflitos fundiários e ameaças à sua integridade e modos de vida. O Centro de Cultura Negra do Maranhão recebeu relatos de vendas irregulares de lotes dentro do território, práticas recorrentes de desmatamento, queimadas e crimes ambientais, além da entrada de assentados e construção de estradas clandestinas que facilitam a invasão de caçadores. Tais ações têm gerado um cenário de insegurança, perda de território e violação de direitos fundamentais dessas comunidades. A situação exige atenção urgente dos órgãos competentes e da sociedade civil comprometida com a justiça social.
Em Anajatuba, os quilombos de Cupaúba e Teso Grande, com apoio do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA) e da UNIQUITUBA, constroem suas Agendas de Compromisso em defesa dos seus direitos. A partir de um processo potente de escuta e articulação, as comunidades denunciaram desmatamentos ilegais, apontaram os impactos da duplicação da BR-135 e reafirmaram a luta pela regularização fundiária. Também reafirmam o direito à Consulta Livre, Prévia e Informada, conforme a Convenção nº 169 da OIT, frente ao projeto de duplicação da BR-135. A consulta deve seguir o Protocolo Autônomo das comunidades, garantindo que decisões sobre os territórios passem pelos próprios quilombolas. Nenhuma obra pode ser iniciada sem o cumprimento integral das condições pactuadas com as comunidades quilombolas. Em caso de veto, a obra deve ser suspensa.
Esses conflitos evidenciam o racismo ambiental, prática estrutural que impõe os maiores impactos socioambientais às populações negras, indígenas e tradicionais. No Maranhão, empreendimentos como rodovias, ferrovias, carcinicultura, monocultivos e expansão urbana avançam sobre territórios quilombolas, sem respeitar o direito à consulta e à autodeterminação. O racismo ambiental nega o direito ao território, destrói modos de vida sustentáveis, compromete recursos naturais sagrados e agrava desigualdades históricas. Combater o racismo ambiental é parte essencial da luta por justiça social e climática.
Enquanto isso, os dados do Disque 100 mostram um aumento de 300% nas denúncias de racismo e injúria racial no Maranhão em 2024, um reflexo de maior conscientização, mas também da persistência da violência racial. As mulheres negras são as principais denunciantes. Como a advogada Luana Lago, que, junto com seu filho adolescente, sofreu racismo dentro de um supermercado em São Luís. Só após muita luta e gritos por justiça, os agressores foram desmentidos pelas próprias imagens de segurança.
Essa realidade tem raízes profundas: pessoas negras no Brasil têm 2,7 vezes mais chances de serem assassinadas, segundo o Atlas da Violência. Quilombolas são os mais impactados. Vivem majoritariamente em áreas rurais – mais de 61%, segundo o Censo 2022 – e enfrentam as piores condições de acesso a saneamento, educação e saúde. Mesmo nas cidades, a desigualdade se agrava. Mais de 18% dos quilombolas são analfabetos, quase três vezes a média nacional. E 94,6% dos quilombolas rurais vivem sem acesso pleno ao saneamento básico.
Essa é a realidade dos “libertos” do 13 de maio.
Não nos libertaram. Nos largaram. E seguimos resistindo.
Neste 13 de maio, o Centro de Cultura Negra do Maranhão reafirma seu compromisso com a luta antirracista, com a defesa dos territórios quilombolas e com a memória de quem, como Tadeu de Obatalá, transformou dor em canto, canto em denúncia, denúncia em resistência.
13 de maio não é festa. É protesto. É denúncia. É memória. É luta.
Fontes: